top of page

Quem é de noite

Tem tanto coração para amar,

Começa, luta e não vai parar...

(Fernanda Rachel)

 

(Com)Fabulações Negras é um projeto de plataforma transmídia ou de convergência de mídias a partir das vivências, experiências e reflexões de um conjunto de mulheres negras ou não-brancas, simultaneamente ativistas, artistas e académicas, a partir da sua perspetiva e posicionamento racial.

 

Resultado de meses e, em alguns casos, de anos de conversas mantidas entre nós, mais ou menos intermitentes, de partilhas e trocas mais ou menos constantes, ou ainda de participações e colaborações em atividades mais ou menos pontuais, nasceu este projeto. Filmes, textos, fotos, desenhos, músicas, páginas pessoais de Instagram ou Facebook ou websites, entrevistas, design e fabulações etnográficas convergem nesta plataforma digital documental, num itinerário entre Brasil e Portugal. Não se propõe aqui fazer nenhum tipo de hierarquia entre os formatos de documentação, nem tampouco dirigir ou orientar a navegação que o visitante ou a visitante possa fazer desta plataforma. Alguns formatos de apresentação documental são lineares, com uma montagem previamente determinada, sem interatividade e eventualmente apenas com uma tela/ecrã, mas o seu visionamento pode ser sempre interrompido, desviado, articulado com outros caminhos, encruzilhadas e itinerários de navegação.

Saber-se negra é viver a experiência de ter sido massacrada em sua identidade, confundida em suas perspectivas, submetida a exigências, compelida a expectativas alienadas. Mas é também, e sobretudo, a experiência de comprometer-se a resgatar sua história e recriar-se em suas potencialidades. 

(Neusa Santos Souza, Tornar-se negro: Ou as vicissitudes da identidade do negro brasileiro em ascensão social, Zahar, RJ, 1983)

 

As mulheres negras, na tradição política, a exemplo da abolicionista Sojouner Truth, decidiram acreditar num encontro simultâneo e inseparado de estruturas, cuja repercussão é identitária. Quem luta contra apenas uma opressão, fortalece outras.

(Carla Akotirene, Intersecionalidades, Coleção Feminismos Plurais, 2018)

Como mestiza, eu não tenho país, minha terra natal me despejou; no entanto, todos os países são meus porque eu sou a irmã ou a amante em potencial de todas as mulheres. (Como uma lésbica não tenho raça, meu próprio povo me rejeita; mas sou de todas as raças porque a queer em mim existe em todas as raças.) Sou sem cultura porque, como uma feminista, desafio as crenças culturais/religiosas coletivas de origem masculina dos indo-hispânicos e anglos; entretanto, tenho cultura porque estou participando da criação de uma outra cultura, uma nova história para explicar o mundo e a nossa participação nele, um novo sistema de valores com imagens e símbolos que nos conectam um/a ao/à outro/a e ao planeta. ‘Soy un amasamiento’, sou um ato de juntar e unir que não apenas produz uma criatura tanto da luz como da escuridão, mas também uma criatura que questiona as definições de luz e de escuro e dá-lhes novos significados.

(Gloria Anzaldúa, Borderlands/La Frontera: The New Mestiza, San Francisco: Aunt Lute Books, 1987, trad. nossa)

Os meios de produção das representações sobre si das mulheres presentes neste webdoc são revelados por elas mesmas seja nas entrevistas-conversas performativas, seja nos seus perfis pessoais nas redes sociais e/ou nos websites profissionais. Insistimos e sublinhamos uma co-autoria colaborativa deste projeto que decorre ainda de uma relação de amizade e companheirismo político, consentimento e confiança mútua, envolvendo parcerias diversas em eventos e atividades que venho desenvolvendo com elas desde 2018, seja no Brasil seja em Portugal.

A elas dedico este projeto, que desenhamos junto com meu parceiro de tantos outros projetos, Emiliano Dantas, e a elas agradeço a sua confiança e parceria, e muito me honra termos podido (a)colher e documentar suas intensas vivências, experiências e reflexões. Mas reconheço que a minha condição de homem branco, europeu, português, não pode deixar de ser aqui equacionada e assumida como problemática – não me basta, bem sei, reconhecer meus privilégios de branquitude, é preciso também começar a pensar este percurso de questionamento racial em direção ao “mundo dos brancos”. Reconheço ainda que o gatilho que me impulsionou a este percurso foi o de justamente ter sentido que vivemos na contemporaneidade um momento em que um sujeito político particular emerge ou re-emerge de forma assinalável. Acredito que esse sujeito político é a mulher negra - e talvez precisemos de alargar esse perfil a mulheres indígenas e a pessoas trans e não-binárias.

 

Como disse Djamila Ribeiro no seu Pequeno Manual Antirracista (2019):

É importante ter em mente que para pensar soluções para uma realidade, devemos tirá-la da invisibilidade. Portanto, frases como “eu não vejo cor” não ajudam. O problema não é a cor, mas o seu uso como justificativa para segregar e oprimir. Vejam cores, somos diversos e não há nada de errado nisso – se vivemos relações raciais é preciso falar de negritude e também sobre branquitude.

Quem é de noite começa, luta e não vai parar...

 

Paulo Raposo

Me descobrindo negra

©2023 por Me descobrindo negra. Orgulhosamente criado com Wix.com

bottom of page